NOME DE POBRE NO BRASIL

quarta-feira, 30 de maio de 2012

USOS E ABUSOS NA LÍNGUA PORTUGUESA, POR ARNALDO NISKIER

Na escrita, a norma culta tem de ser respeitada. A prova da OAB mostra o que acontece quando os alunos não sabem utilizá-la: 93% de reprovação Na imprensa portuguesa, vez por outra, publica-se crítica à existência do acordo ortográfico de unificação da nossa língua. Alguns jornais afirmam que os filólogos brasileiros encheram o documento de "bizarrices inúteis", enquanto outros reclamam que a Academia das Ciências de Lisboa, parceira do projeto, errou pelo excesso de "cedências" às hipotéticas pressões neocolonialistas do Brasil. É evidente que nada disso faz sentido. Devemos ter mesmo só uma forma de expressão escrita, para que o nosso idioma passe a ser, estrategicamente, adotado como uma das línguas oficiais da Organização das Nações Unidas. Falar é outra coisa. Cada um segue falando de acordo com a sua tradição. Da mesma forma, não se pode defender a existência interna de uma separação linguística, dividindo o falar do rico e do pobre. O Vocabulário Ortográfico, editado pela Academia Brasileira de Letras, tem 370 mil verbetes, o que é uma amostra da sua força e da disponibilidade das palavras para todos. Machado de Assis fez toda a sua extraordinária obra de romancista com o emprego de somente 16 mil vocábulos. Temos uma realidade plurilinguística, considerando-se basicamente que a norma padrão (culta) deve ser respeitada nos códigos escritos, pois são esses que, mais tarde, os estudantes terão que utilizar nos seus diversos concursos. Veja-se o que aconteceu na seccional paulista da OAB. Dentre os 20.237 candidatos (bacharéis em direito), o índice de reprovação foi de 92,8%, o que levou o presidente Luiz Flávio Borges D'urso a afirmar que "há pessoas que chegam à prova e não sabem conjugar verbos ou colocar as palavras no plural". Você já imaginou as petições que serão escritas por essa gente? Para debater o assunto, que envolve também o uso exagerado do terrível internetês, as Academias Brasileira e Paulista de Letras realizaram seminários em defesa da língua portuguesa. Na ocasião, comemorou-se o fato de a venda de jornais ter crescido significativamente nos dois últimos anos, desmentindo a tese catastrofista de que os impressos em geral serão desbancados em curto espaço de tempo pela mídia eletrônica. Num estudo intitulado "Medium Matters" (em português, pode significar tanto "Questões de Meio" quanto "O Meio Importa"), da Universidade de Oregon (EUA), afirma-se que um leitor de jornal em papel retém o conteúdo mais que um leitor on-line. Isso parece ter sido percebido pelo povo brasileiro, inclusive os integrantes da sua ampliada classe média. Antes de nos entregarmos totalmente ao emprego do tablete, convém que se prepare mais adequadamente os nossos professores e especialistas. Encher as escolas, desordenadamente, de computadores de todos os tipos não será a forma de promover o que é essencial: o conhecimento mais profundo dos mistérios e da beleza do idioma de Fernando Pessoa e Manoel Bandeira. -------------------------------------------------------------------------------- ARNALDO NISKIER, 76, é doutor em educação. Foi presidente da Academia Brasileira de Letras (entre 1998 e 1999) e pertenceu ao Conselho Nacional de Educação

terça-feira, 29 de maio de 2012

DEONÍSIO DA SILVA, POR MARÍLIA GABRIELA, NO GNT

No dia 3 de junho, domingo, às 22h, na GNT, Deonísio Da Silva entrevistado por Marília Gabriela. Fomos dois assanhados, o programa ficou sui generis, acho, muito sincero, ela é dez!

LÍNGUA PORTUGUESA: VITAL PARA O ENSINO DE OUTRAS DISCIPLINAS

Quando na década de 80 o então presidente José Sarney lançou o Plano Cruzado, que tinha o fim de combater a inflação e estabilizar a economia, um cidadão de Curitiba, à pergunta se a situação tinha melhorado, vacilou, tremeu os lábios, gaguejou um pouco e disse, por fim: "está piorando menos". É o que está ocorrendo com nosso ensino. Ainda é ruim em muitos níveis e áreas? É. Mas está piorando menos. Há vários indicadores dessas melhoras e uma delas é que agora temos uma universidade, a USP, entre as 70 mais importantes do mundo. É pouco ter uma única universidade brasileira entre as cem mais? É. Mas está piorando menos. Ainda temos sérias deficiências, apesar de passos decisivos dados nas direções corretas, tanto no setor público como no privado. Boa parte dos médicos mais qualificados dos hospitais referenciais do Brasil estudou em escolas públicas, o mesmo acontecendo nos concursos para ocupação de carreiras de Estado e postos gerenciais nas empresas. Nessas mudanças, o ensino da disciplina língua portuguesa cumpre função estratégica. Os professores de quaisquer outras matérias alcançam mais facilmente os objetivos traçados nos projetos pedagógicos, se eles e os alunos são bons em português! É frequente que haja prejuízos mútuos no processo de ensino e aprendizagem quando proliferam erros constantes de ortografia e sintaxe. Na Medicina e no Direito, tais equívocos podem matar o paciente ou levar o cliente para a cadeia. A diferença entre veneno e remédio pode ser uma letra apenas. E um enfermeiro que lê mal uma instrução do médico pode matar aquele que ambos querem salvar. Apesar de erros ortográficos serem os mais fáceis de perceber, os prejuízos da falta de clareza e de lógica, na fala como na escrita, se não são decisivos como o são na Medicina e no Direito, são igualmente deploráveis. E por quê? Porque quem fala e escreve sem clareza dá indícios de que ouve e lê pouco, e essa deficiência é capital para muitas outras. Deonísio da Silva é Escritor, doutor em letras pela USP, professor e vice-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, membro da Academia Brasileira de Filologia.(Revista Língua Portuguesa, Abril de 2012)

quarta-feira, 23 de maio de 2012

RÉQUIEM PARA STEFAN ZWEIG, POR WANDER LOURENÇO

Em Lotte & Zweig, romance recém-publicado pelo escritor e professor Deonísio da Silva, nota-se que se intercalam versões distintas referentes ao fatídico episódio ocorrido no município de Petrópolis, na noite de 22 de fevereiro 1942, em pleno contexto da Segunda Guerra Mundial e do governo de Getulio Vargas. Uma das vertentes de interpretação, decerto, impelirá o leitor a deduzir que a ficcionalização da tragédia vivenciada por Stefan Zweig servirá de palimpsesto para se desmascarar uma imposição histórica ditada por interesses políticos de questionável ordem diplomática entre Brasil e Alemanha. Por esta linha de raciocínio, a propagação oficial do suicídio seria contestada pela segunda parte do livro em questão, a partir de um suposto homicídio que abreviara a existência do escritor judeu de origem austríaca. Por um dos diletos subterfúgios narrativos da escrita contemporânea, o enredo da obra literária Lotte & Zweigse estrutura pelo viés de uma voz narrativa em primeira pessoa; todavia, a narração se bifurcará mais adiante pelos meandros de uma onisciente perspectiva a se equilibrar pelos parâmetros de um mistério à luz do Holocausto nazista. A consoada de Zweig se instaura pelas evidências da preparação para um suicídio anunciado por inúmeras missivas endereçadas a destinatários mundo afora. Por outro ângulo, o narrador irá inserir elementos fictícios para comprovação de uma trama alemã capitaneada por Joseph, Frida, Helmut, Gustav etc. Acrescenta-se a isto que uma terceira voz narrativa, cujas menções entrelaçam os múltiplos discursos vigentes, margeará a trama por intermédio de um frágil fluxo de consciência provindo da figura que intitula o livro, Lotte, o que, aliás, pouco acrescenta à espinha dorsal da tessitura arquitetada pelas hábeis mãos de um ficcionista em pleno domínio da técnica do romance moderno. A História sofre as investidas da ficção engendradas pelo intelectual apto a afirmar que a ferramenta do escritor é a imaginação, conquanto não se admita a intervenção do bisturi verbal do artista a interferir no amálgama nevrálgico do conflito étnico. De antemão deve-se, ao menos, se depreender que a escritura se predispõe a arraigar-se por uma tênue hermenêutica da suspeita, em diálogo com a ambiguidade que se instaura pela fresta a incutir a dúvida referente ao ato de renúncia praticado por um homem perseguido pelo antissemitismo cultuado pelo cenário europeu. Destarte, como poder-se-ia forjar a identidade criminal sem se abster da insigne inclemência de historiadores e biógrafos de Stefan Zweig, autores de teses absolutistas não refratárias ao diagnóstico oficial assinalado pela perícia dos discípulos de Getulio Vargas e Adolf Hitler? Curiosamente, não seria desperdício de causa afiançar que estas duas personagens históricas, Hitler e Vargas, também padeceriam com o estigma de um suicídio mal prefaciado por sobrescritos apócrifos. Entretanto, em retorno ao livro, quiçá seja de bom alvitre advertir que a dialética da sensatez não se ancora em cais de aviltamento. De outra feita, se as palpáveis diretrizes da narrativa que se interpenetram, no tocante à personalidade austríaca que preludia o suicídio e ao narrador que aventa a possibilidade do assassínio, por que considerar que o autor de Lotte & Zweig se responsabilizaria pela rubrica assinalada no laudo ou testamento, que apontaria como causa mortis de cunho político do intelectual de estirpe hebreia? Caberia enfatizar que a percepção do leitor se equilibrará por sobre um picadeiro de suposições acrobáticas, para abarcar as múltiplas expectativas de um desenlace que, no mínimo, irá se escorar na hipótese do questionamento. Muito provavelmente alguns incautos obterão a certeza de que a posição do alter ego de Deonísio da Silva se pautará pelas prédicas do homicídio contra a família Zweig. Contudo, julgo que mais condizente seria afirmar que, com a proposição do discurso que se alicerça pelo movediço espaço da dubiedade, Lotte & Zweig instigará o debate com requintes de subversão e complexidade. *Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras pela UFF, é escritor e professor universitário. Seus livros mais recentes são 'O enigma Diadorim' (Nitpress) e 'Antologia teatral' (Ed. Macabéa).

terça-feira, 22 de maio de 2012

MULHER FEIA É JABURU

Caravançará: do persa karwaansarai, palácio das caravanas, estalagem, pelo francês caravansérail, refúgio para caravanas, construído pelo governo ou por anônimos beneméritos à beira dos caminhos para servir de abrigo aos viajantes. Aparece num conto do escritor paulista Malba Tahan, pseudônimo de Júlio César de Melo e Sousa (1895-1974): “Encontrei num caravançará, perto de Damasco, um velho árabe de Hedjaz que me chamou, de certo modo, a atenção. Falava agitado com os mercadores e peregrinos, gesticulando e praguejando sem cessar; mascava constantemente uma mistura de fumo e haxixe.” Ele recebe de um feiticeiro, a quem salva da morte, um poderoso talismã que lhe dá acesso ao Maktub, o que está escrito no Livro do Destino, numa gruta encantada. Começa a acrescentar males nas páginas da vida dos inimigos e se esquece de acrescentar boas coisas à própria vida. Termina na miséria. A lição final do conto é: “Alguns homens, preocupados em levar o mal a seus semelhantes, se esquecem do bem que podem trazer a si próprios.” Embromar: do grego broma, cárie, úlcera, pelo espanhol broma, mingau de aveia, brincadeira e burla, entre outros, mas também um molusco que se agarra ao casco das embarcações, dificultando e atrasando a navegação. Foi por esse último significado em espanhol que embromar em português ganhou o significado de atrasar, protelar a execução de um trabalho, sem prejuízo de outros significados que lhe estão atrelados, de que são exemplos embuste, cilada, engano, tapeação, velhacaria. No português corrente, é mais frequente embromar com o sentido de prometer e não cumprir, levar muito tempo para decidir ou fazer alguma coisa, prometendo sempre que no futuro a tarefa será feita. E o futuro nunca chega. Jaburu: do tupi yambiru, de papo cheio, designando ave de grande porte, encontrada em grandes rios, lagoas e pantanais. As penas são brancas e o bico é preto, levemente curvado para cima, é preto também o pescoço, mas com a base vermelha. Diz-se também jabiru. Como parece muito desajeitada, jaburu passou a designar também a mulher feia. O tuiuiú, ave-símbolo do Pantanal mato-grossense, é uma das espécies de jaburu. Massagem: de origem controversa, talvez de amassar, do latim hispânico amassare, do latim massa, massa. O francês massage é adaptação de como foi ouvida a palavra na Índia. O árabe massa, tocar, apalpar, é outra hipótese. Dia 25 de maio é o Dia do Massagista. A massagem é principalmente uma atividade terapêutica pela compressão metódica de determinados pontos do corpo, com o fim de melhorar a circulação sanguínea ou aliviar tensões. E, como massagista é substantivo de dois gêneros, não é necessário recorrer à lei que desde 3 de abril último obriga as instituições de ensino a expedir ou reemitir diplomas e certificados com a flexão de gênero correspondente ao sexo da pessoa diplomada. A reemissão é gratuita. Ojeriza: do espanhol ojeriza, formado a partir de ojear, espantar a caça, afugentar animais. O espanhol ojo, olho, está presente em muitas outras expressões que vieram para o português, como olho d’água, isto é, lugar de onde a água subterrânea vê a luz; a advertência ojo, significando cuidado, como em nosso “fique de olho”, “estou de olho” etc. Ter ojeriza a alguma coisa ou a alguém é nem olhar, rejeitar, evitar, pois ojeriza é sinônimo de horror. Pressionar: de pressão, do latim pressione, declinação de pressio. Designa fazer pressão, apertar, comprimir, sendo usada também em sentidos conotativos. Assim, o corpo é pressionado na massagem, mas as pessoas podem ser pressionadas a fazer o que não querem ou que iriam fazer, mas não já. Tranchã: do francês tranchant, que corta bem, por ser duro e afiado. Tomou o significado de categórico, decisivo, bom. Em francês, trancher é dividir, separar, trinchar. O étimo está também em destrinchar, cortar, que tomou o sentido de explicar, resolver, mas neste caso a origem é strictiare, apertar, comprimir, delimitar o campo de combate no corpo a corpo. Em Mistura Tranchã, temos estes versos de Valdo Silva: “Batuque baticum bom/ Bum! Bum! Agogô/ Balangandã com raybun/ E chapéu-coco são/ Uma mistura tranchã/ De samba funk e baião!”.

SAGA DO CAMINHO NOVO: O TEMA É A INCONFIDÊNCIA MINEIRA

Despojos: a festa da morte na Corte, romance histórico cujo tema solar é a Inconfidência Mineira, quarto volume da monumental e esplêndida tetralogia Saga do Caminho Novo, do romancista mineiro Benito Barreto, 83 anos, documentou e trouxe para a prosa de ficção as lutas sociais dos brasileiros naquele que foi o primeiro sólido projeto de independência política. Sua prosa de alta qualidade rivaliza em grandeza com outra obra igualmente monumental e sobre o mesmo tema, mas em versos, que é Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Prosa e poesia têm-se aproximado muito na modernidade. Já não se concebe um escritor que à la Balzac ocupe-se quase que exclusivamente em narrar, como o fizeram entre nós Erico Verissimo e Jorge Amado, sem maiores preocupações com a poesia da linguagem, obcecados apenas pelas tramas do enredo, por personagens referenciais que – isto mesmo – personificassem as ideias de interpretação social por eles defendidas. Desta limitação, aliás, não sofre a maioria dos ficcionistas contemporâneos, mas esses se recusam ficar no traçado de um bom enredo, alicerçado em boas tramas; não o fazem por opção estética e, sim, por absoluta incapacidade de encantar os leitores com uma história que tenha começo, meio e fim bem concatenados. Passam, então, a disfarçar o que não sabem fazer com floreios desconexos, mergulhos ao redor do umbigo e obsessão por temas e modos de narrar que, além de a eles mesmos, a poucos mais interessam. Quebra-se, então, ainda no nascedouro, um das pernas do famoso tripé autor-obra-público, sem o qual não existe literatura. Depois é fácil explicar o fracasso: fazem biscoito fino que a patuleia não sabe comer por desinformada; o editor é um incompetente; a mídia escondeu sua obra etc. (que a mídia esconde, sim, esta é uma grande verdade: esconde o que presta e satura os pobres leitores com resenhas que ninguém lê). Dolorosa via Eis como escreve Benito Barreto, em tudo diferente do que mais se badala em nossas páginas ditas literárias: “Tenho de meu uma trempe e formas, tacho de cobre e panelas, uns caldeirões e tabuleiro, afinal, todo o vasilhame eu tenho, pra fazer e servir o de comer de sal e doces, para vosmicê vender nas feiras e nas praças...- que tal?”. No diálogo seguinte, reboa o pronome informal de segunda pessoa do singular, que séculos depois marcará o coloquial brasileiro: “Tirante os gastos, incluído o aluguel e o teu sustento, o teu e o meu, mais o aluguel, com as despesas, o que der de sobra, a gente racha, meia o lucro: eu banco e faço, tu me ajudas, vais às vendas e, no dia a dia ou por semana, a combinar, tirado o custo e as perdas, a sobre é nossa, se reparte...” E adiante, a forma originalmente de segunda pessoa do plural (vosmicê) aparece já consolidada com função de segunda do singular: “E por causa de quê que, tão bonita, vosmicê tá só? –Enviuvei. – Deus do céu, o Senhor proteja suncê, Sinhá: morte morrida ou matada? – Marcada, a-quer dizer...Não quero falar disso, não”. Benito Barreto, como o fez Cecília Meireles na poesia, conta e canta, quando ela cantou e contou, isto é, o substrato mais consistente nela é a poesia da narração e em Benito é a narração poética daquele momento singular que o Brasil do século 18 viveu pela liderança de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, um homem simples que afinal deu a vida por todos os outros companheiros de sublevação, incluindo o resgate da de seu traidor, Joaquim Silvério dos Reis. Faz o prefácio Ângelo Oswaldo de Araújo Santos, escritor e prefeito de Ouro Preto. Sim, temos um escritor prefeito, não um prefeito escritor, bem entendido, pois o primeiro ofício é para sempre, o outro é passageiro, e ele, ao contrário de muitos de seus colegas nas prefeituras, sabe disso. Num texto conciso e didático, o prefaciador dá indicações preciosas para leitura: “Ele apresenta a quarta estação da dolorosa via histórica, acolhendo o leitor na fase que sucede ao desmanche do movimento pela prisão dos cabeças, graças à rede de denúncias urdida pelo vil Joaquim Silvério dos Reis”. Brilho em Frankfurt Este quarto volume estrutura-se em três partes, que muito adequadamente foram denominadas Livro 1, Livro 2 e Livro 3, pois são três narrativas quase autônomas: “A Batalha do Breu”, “Um pároco na Corte”, “A festa da morte”. Como é de praxe na História do Brasil, há um suicídio controverso. Foi assim na década de 1970 no caso do jornalista Vladimir Herzog, que volta à mídia por conta da Comissão da Verdade, recentemente instituída pela presidente Dilma Rousseff, e foi assim no caso do poeta Cláudio Manoel da Costa, figura referencial da Inconfidência, cuja morte marca um dos esplêndidos e fascinantes romances da tetralogia. Personagens históricos perfeitamente conhecidos daqueles que não são jejunos em História do Brasil contracenam com as figuras solares que a imaginação do escritor engendrou. “Sinto-me, então, também lavado, como que passado a limpo pelas águas de março. Certa sensação de banho e limpeza apossa-se de mim, eis que algo mineral me sinto, autodemitido do meu ser, de ser, e, por momentos, sem pensar nem sentir, me deixo só, a ver e ouvir, somente, e que me ocupe e fique a ressoar em mim, como nas conchas o vago pulsar das coisas, seu metabolismo e os andamentos da matéria.” Do desfecho do romance, à p. 580, destaco esta joia da coroa do romance de Benito Barreto: “– Pois, pois, se mal não pergunto, pode-se lá saber o que, a vosso juízo, herdamos dele, o morto? – Matéria de aprendizado e ensino, vida afora, é o meu parecer, senhor: – foi minha resposta, acautelado em dubiedade e reticência: – ...certo é que, afora a dor e o sentimento, – ousei ainda- muita coisa há que tirar e aprender desta tragédia luso-brasileira...!” Foi difícil encontrar o romance nas livrarias. Publicado com apoio da Lei de Incentivo à Cultura, ele precisa agora irromper do gargalo da distribuição que tantos bons livros engarrafa nesse trânsito amalucado de nossas livrarias, onde quantos piores em conteúdo e forma os livros, mais à vista estão em todos os lugares e, quanto mais refinados e de qualidade, mais escondidos. Nenhuma força, porém, esconde de todos um bom livro todo o tempo. E em breve, não apenas esse romance, mas também os outros três, que compõem a tetralogia antológica, brilharão ao lado dos outros livros do autor, um dos baluartes mais seguros da alta qualidade da literatura brasileira que agora, com apoio de procedências diversas, ameaça finalmente reflorescer na Feira de Frankfurt no ano que vem, quando o Brasil será o país convidado de honra, mostrando-se entre 7 mil expositores e 280 mil visitantes do mundo inteiro. Que não deixemos autores como Benito Barreto de fora desses empreendimentos literários internacionais. *** [Deonísio da Silva é doutor em Letras pela USP, vice-reitor da Universidade Estácio de Sá e autor de 34 livros, o mais recente é o romance Lotte & Zweig]

domingo, 20 de maio de 2012

LÍNGUA PORTUGUESA: APOIO ESTRATÉGICO PARA ENSINAR OUTRAS DISCIPLINAS

Quando na década de 80 o então presidente José Sarney lançou o Plano Cruzado, que tinha o fim de combater a inflação e estabilizar a economia, um cidadão de Curitiba, à pergunta se a situação tinha melhorado, vacilou, tremeu os lábios, gaguejou um pouco e disse, por fim: "está piorando menos". É o que está ocorrendo com nosso ensino. Ainda é ruim em muitos níveis e áreas? É. Mas está piorando menos. Há vários indicadores dessas melhoras e uma delas é que agora temos uma universidade, a USP, entre as 70 mais importantes do mundo. É pouco ter uma única universidade brasileira entre as cem mais? É. Mas está piorando menos. Ainda temos sérias deficiências, apesar de passos decisivos dados nas direções corretas, tanto no setor público como no privado. Boa parte dos médicos mais qualificados dos hospitais referenciais do Brasil estudou em escolas públicas, o mesmo acontecendo nos concursos para ocupação de carreiras de Estado e postos gerenciais nas empresas. Nessas mudanças, o ensino da disciplina língua portuguesa cumpre função estratégica. Os professores de quaisquer outras matérias alcançam mais facilmente os objetivos traçados nos projetos pedagógicos, se eles e os alunos são bons em português! É frequente que haja prejuízos mútuos no processo de ensino e aprendizagem quando proliferam erros constantes de ortografia e sintaxe. Na Medicina e no Direito, tais equívocos podem matar o paciente ou levar o cliente para a cadeia. A diferença entre veneno e remédio pode ser uma letra apenas. E um enfermeiro que lê mal uma instrução do médico pode matar aquele que ambos querem salvar. Apesar de erros ortográficos serem os mais fáceis de perceber, os prejuízos da falta de clareza e de lógica, na fala como na escrita, se não são decisivos como o são na Medicina e no Direito, são igualmente deploráveis. E por quê? Porque quem fala e escreve sem clareza dá indícios de que ouve e lê pouco, e essa deficiência é capital para muitas outras.(Revista Língua Portuguesa, Abril de 2012) Deonísio da Silva é Escritor, doutor em letras pela USP, professor e vice-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, membro da Academia Brasileira de Filologia.

sábado, 19 de maio de 2012

AUDI, CHEVROLET, HONDA: POR QUE ESSES NOMES?

Nomes de família identificam numerosos carros, camionetes e caminhões mundo afora. Lembrei isso a um taciturno motorista português em Lisboa, no Natal passado. Ele me parecia sorumbático e entristecido pela crise que se abatera sobre Portugal e resolvi distraí-lo um pouco perguntando-lhe se ele sabia por que razão seu carro se chamava Mercedes. “Alguma identificação todos os carros haverão de ter”, ele me disse, naquela objetividade bem portuguesa, “e ao meu tocou Mercedes”. Concordei, mas fiz nova pergunta, sorrindo, manifestando meu interesse em apenas conversarmos um pouquinho sobre um assunto que não fosse obviamente o Natal. Ruas e praças estavam quase às escuras para economizar energia, não brilhavam nas lojas as tradicionais luzes que as enfeitam em festas de fim de ano, e dias antes a estatal de eletricidade, uma das joias da economia portuguesa, havia sido vendida aos chineses. Os portugueses estavam aborrecidos com as medidas baixadas por Angela Merkel, a poderosa chanceler alemã, ainda que o presidente da Comunidade dos Países Europeus fosse e ainda seja o português José Manuel Durão Barroso, a quem me coube saudar quando ele recebeu o título de Doutor Honoris Causa na Universidade Estácio de Sá, em 2010. Ele me olhou de soslaio, também um modo bem português de confiar desconfiando do gajo ao lado, quando lhe disse que seu carro tinha aquele nome porque um alemão chamado Emil Jellinek dera aos automóveis o nome de sua filha, Mercedes. O nome pegou tão bem que foi adotado mais tarde pela Daimler-Benz. “Nome de mulher”, completei, “só podia trazer sorte, como de fato trouxe”. “Trouxe mais a quem vende”, acrescentou ele. “Sim, mas vendem um carro bom, que dura bastante, é seguro, veloz”. Ele pareceu concordar. Olhei ao redor para buscar novo assunto. Ele dava mostras de interesse, mas a tristeza o impedia de prosseguir mais animado. “Esse aí a seu lado é um é um Toyota”, prossegui. “Era para ser Toyoda, sobrenome do fundador da marca, mas o “d” foi transformado em “t” para facilitar a pronúncia. Aqui a meu lado está um Honda. Poderia ser Soichiro e talvez poucos o comprassem, mas Soichiro Honda escolheu o sobrenome. Há muitos carros com nome de pessoa. Louis Chevrolet homenageia o piloto de corridas e amigo do fundador da companhia. Já Henry Ford pôs seu sobrenome nos carros que fabricou. Volvo e Audi são verbos latinos. Volvo quer dizer “eu volto” e Audi, “ouça”. Um carro muito popular no Brasil, o Fusca, era o carinhoso apelido de Volkswagen, carro do povo, em alemão. E Agile, em italiano, é o que se move ligeiro e com desenvoltura. E, a bordo da Mercedes dele, chegáramos a um dos poucos restaurantes abertos na noite da consoada, como os portugueses chamam a noite de Natal. (xx)

sábado, 12 de maio de 2012

LOTTE & ZWEIG NA GLOBONEWS, 11/05/2012

LOTTE E ZWEIG: ASSASSINADOS EM PETRÓPOLIS Cheguei muito tarde, somente hoje de madrugada vi no computador. Foi ao ar ontem a bela matéria da Globonews sobre meu romance LOTTE & ZWEIG. O que teria havido na tragédia daquela noite sem testemunhas (de 22 para 23/02/1942), quando mulher (Charlotte) e marido (Stefan Zweig) apareceram mortos? Duplo suicídio? Duplo assassinato? Apenas Lotte foi executada pelos nazistas? Abaixo, quem não viu, pode ver; quem já viu, pode rever. Para examinar detalhes, como o caso requer, é sempre recomendável rever. http://g1.globo.com/globo-news/literatura/videos/t/todos-os-videos/v/livro-reascende-a-polemica-sobre-a-morte-do-escritor-austriaco-stefan-zweig/1944280/

terça-feira, 8 de maio de 2012

BRASIL: DA CASA DO CARACLUM A PAU-BRASILEIRO Deonísio da Silva * No dia 22 de abril de 1500 o aviso de “Terra à vista” foi dado pelo marinheiro que estava de castigo na casa do caraclum. Sim, prezados leitores, antes de designar o órgão sexual masculino, o latim caraclum tinha o significado de estaca, palanque, pau firme. E dava nome ao mastro mais alto das naus. Não era palavrão! No alto do caraclum, palavra vinda do grego chárax, esteio e apoio para as vinhas, acima da cesta da gávea, ficava a casa do caraclum, um lugar de punição e sofrimento, para onde era enviado o marinheiro desobediente. Lá ele estava submetido ao frio, ao calor, à chuva, ao sol, passava sede e fome. Seu dever era avisar o comandante de tempestades no horizonte, de piratas a bombordo ou a estibordo, pela proa ou pela popa, pois dali tinha visão privilegiada, uma vez que estava no mais alto de todos, até mesmo do comandante Pedro Álvares Cabral, à frente daquela frota ou esquadra de 13 naus, que vinha para o que desse e viesse, para o comércio ou para a guerra, o que encontrassem primeiro. Provavelmente o Brasil já tinha sido descoberto há alguns anos por outros navegadores, não apenas portugueses. Tratava-se então de achá-lo e tomar posse da nova terra. Mas deixemos que o escrivão da frota ou esquadra, Pero Vaz de Caminha, que não usa uma única vez a palavra caravela em toda a sua famosa Carta, nos dê o gosto de seu estilo ao descrever e narrar ao rei Dom Manuel I, o Venturoso, o grande feito obrado por aqueles 1.500 homens. “Senhor: Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que ora nesta navegação se achou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer.” E passa a descartar o que não vai escrever: “Da marinhagem e singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza, porque o não saberei fazer, e os pilotos devem ter esse cuidado.” Mas do que pode e tem a dizer não demora a esclarecer ao soberano: “Portanto, Senhor, do que hei de falar começo e digo: A partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi segunda-feira, 9 de março. (...) E domingo, 22 do dito mês, às dez horas, pouco mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, ou melhor, da ilha de S. Nicolau, segundo o dito de Pero Escolar, piloto. “ O primeiro nome que o minucioso escrivão registra para o Brasil é Terra de Vera Cruz. Ao concluir a Carta e despedir-se do rei, o nome já é outro: “Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.” O dia do registo do nascimento do Brasil não era ainda o dia do trabalho, do latim tripalium, instrumento de castigo composto de três paus, aos quais era afixado o condenado, quando não empalado num deles! Exagero semântico? Não, porque, cessada a extração do pau-brasil, passou-se a extrair ouro, e o trabalho era sofrimento inaudito para escravos vindos da África, muitos dos quais eram castrados sem qualquer anestesia, como se fazia com o gado, para que ficassem com as pernas grossas, não crescessem muito e assim as minas pudessem ter teto mais baixo. Quem duvida, vá aos museus e igrejas de Ouro Preto (MG), que os instrumentos de castigo e castração estão ali guardados ad perpetuam rei memoriam desde o Século do Ouro. Aqueles audazes navegantes deixaram o Brasil, seguiram para a África, perderam sete das trezes naus, consagrando o treze como número de azar, e voltaram a Portugal sem saber o tamanho do que tinham descoberto ou achado! E, por força da extração daquela madeira de cor brasina, o pau-brasil, objeto de intenso comércio no século XVI, por fornecer um corante vermelho muito usado para tingir tecidos e fabricar tintas, logo o nome não era mais Ilha de Vera Cruz nem Terra de Vera Cruz, mas simplesmente Brazil, inicialmente com “z” e depois como “s”, como veio a consolidar-se. O habitante deveria ser braziliense, com “z”, ou brasiliense, “s” com som de “z”, por estar entre duas vogais, mas, por designar o ofício de quem derrubava as árvores para comercializá-las chamou-se brasileiro, à semelhança de marceneiro, ferreiro etc. Por pouco, o brasileiro não é identificado hoje nos documentos como pau-brasileiro. Seria demais! Da casa do caraclum a pau-brasileiro! Mudamos muito? Nem tanto! Outras nações para cá acorrem com o fim de levar, não pau-brasil, mas ferro-brasil, aço-brasil, pedra-brasil, cereal-brasil, diversidade-brasil etc, para dar empregos em outros lados do mundo e conjugar o velho verbo mais praticado nos primeiros séculos, roubar! Embora nossa classe política, com tanta corrupção, insista em tratar-nos com se vivêssemos ainda na casa do caraclum, o certo é que de grão em grão, não a galinha, mas o povo enche o papo. E quinhentos anos depois vive muito melhor do que vivia naqueles primeiros séculos. (xx) Transcrito do Primeira Página, São Carlos (SP), 22/04/2012 • O escritor Deonísio da Silva é Doutor em Letras pela USP e autor de 34 livros. O mais recente é o romance Lotte & Zweig. É vice-reitor da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

ESTÁCIO é síncope de EUSTÁCIO. Sinkopé, em grego, é cortar. Já na adaptação foi cortado o fonema "u". A palavra fez a seguinte viagem. Em grego, EUSTATHEES quer dizer sólido, bem construído. Era pronunciado OISTACIS no grego clássico. Daí passou a metáfora de firme, constante, que está, que fica, que permanece, é são. Houve mescla com EU ISTEEMI, bem construído. Pronuncia-se "OI ISTEEMI". Só então passou a nome e virou EUSTATHIOS, no grego, e era pronunciado OISTÁCIOS. Quando os romanos invadiram a Grécia, trouxeram esse nome para Roma e passaram a escrever EUSTHATHIUS, em latim, que pronunciavam EUSTÁCIUS, porque este segundo TH era pronunciado com som de "s". Ao passar para o português, houve corte do "U" na sílaba inicial, corte , corte do "H" junto ao "T" nas duas sílabas seguintes, corte de "S" final e mudança de "U" para "O". Virou ESTÁCIO, com acento, para não ser pronunciado "ESTACÍO". Escrever bem é cortar, coisa de que os barrocos e Deonísio da Silva não gostam muito por acharem que uma flor é bonita, mas um ramalhete é muito mais. (xx)